domingo, 13 de dezembro de 2009

In (conveniências) e a cadeira

Acto I, Cena 1

Sala de exposições em Lisboa, com vista sobre a cidade. Como fundo, o rio Tejo e Almada.
E uma cadeira.


(Pedro encontra-se no meio da sala, com um ar pensativo a observar um quadro. Lúcia, com um ar cansado mas feliz, olha a sua volta e fixa um olhar na cadeira por segundos. Dirige-se para ela e senta-se.)

Lúcia - Ah! Que bom!
Pedro – Desculpe, falou?
Lúcia – Sim. Disse que bom estar aqui esta cadeira.
Pedro – Gosta dessa cadeira?
Lúcia – Sabe… estou cansada.

(Pedro cumprimenta Lúcia.)

Pedro – Pedro.

(Lúcia levanta-se.)

Lúcia – Lúcia. Prazer em conhecê-lo.
Pedro – O prazer é todo meu.
Lúcia – Como assim?
Pedro – Sou o autor desta exposição!
Lúcia – Você? aah!

(Pausa entre nós)

Lúcia – Deve ser um grande prazer andar pelo mundo de máquina ao peito.
Pedro – Nem sempre.
Lúcia – Como assim?
Pedro – Há fotografias que eu gostava de não ter tirado.
Lúcia – Desculpa! Porque diz isso?
Pedro – Gostei!
Lúcia – Gostou!

(Pausa)

Lúcia - Gostou de quê?
Pedro – Gostei da forma como disse desculpa, aproximou-nos, voltemos ao assunto.

(Pausa)

Pedro – Estava eu a dizer que há fotografias que gostava de não ter tirado.
Lúcia – Sim.
Pedro – O homem ainda está adormecido.
Lúcia – Como assim?
Pedro – Deixe que as fotografias falem.

(Lúcia diz baixinho…)


Lúcia – Falem…

Acto I, Cena II


(Entra na sala Marry, timidamente, trás consigo livros. Pedro e Marry trocam olhares.)

Lúcia – Por favor onde é o banheiro?
Pedro - Naquela porta, ao fundo do corredor.
Lúcia – Muito obrigada!

(Lúcia sai)

Acto I, cena III
(Marry dirige-se para o primeiro quadro e começa a ler para ela. Pedro dirige-se para a porta. Quando passa junto de Marry, esta deixa cair um livro. Baixam-se e ele apanha o livro e dá-lho, ficam a olhar um para o outro durante uns segundos.)


Marry – Obrigada.
Pedro - De nada. Foi um prazer.

(Levantam-se os dois. )

Pedro – Pedro, prazer.

(Cumprimentam-se. )

Marry – Muito prazer. Sou a Marry
Pedro – Obrigada pela sua presença.
Marry – De nada. Quem é o senhor?
Pedro – Sou o autor desta exposição. E Marry?
Marry – Sou Cabo-verdiana, estou em Lisboa a tirar um curso na universidade.
Pedro – Interessante, que curso? Dá-me a honra de saber?
Marry – História.
Pedro – Muito interessante. Porquê história?
Marry – Para um dia fazer um levantamento da história de Cabo Verde e a origem do meu povo, para poder escrever um livro.
Pedro – É um país novo!
Marry – Sim! Como país! Mas como pedaços de terra espalhados no Atlântico, tem tantos anos quanto a terra mãe.
Pedro – Claro! Como Portugal e suas ilhas.
Marry – Sim! Mas o que mais me interessa é saber a identidade do povo Cabo-verdiano.
Pedro – E já sabe alguma coisa?

Acto I, Cena IV

(Entra Lúcia.)

Lúcia – Desculpem…
Marry e Pedro – Não tem importância.
Lúcia – O banheiro tem…

(Pedro interrompe a Lúcia para apresentar Marry a esta.)

Pedro – Lúcia e Marry.

(Lúcia e Marry cumprimentam-se. )

Pedro – Eu estava a dizer…
Marry – Ah sim! Estávamos a falar sobre a identidade de Cabo verde.
Pedro – Claro.
Marry - Confronta-nos com os problemas relativos à nossa identidade. Somos ou não africanos?
Pedro – Como assim?
Marry – Porque quando as ilhas de Cabo Verde foram descobertas pelos portugueses, estas estavam desertas.
Pedro – O povo cabo-verdiano tem uma grande mistura de etnias.
Marry – A cultura cria-se e recria-se continuamente pela ligação a outros povos.

Acto I, Cena V


(Entram na sala a Ministra da Educação de Angola e a Embaixatriz de Cabo Verde, e olham ao seu redor. As duas dirigiram-se ao mesmo tempo para a cadeira, e chocaram. Pedro, Marry e Lúcia olham e voltam à conversa. As duas olham uma para a outra com cara de zangadas e a Embaixatriz senta-se. A ministra fica a observar os quadros.)

Pedro – É a cadeira do poder.
Lúcia – Então vocês têm um património muito rico, Marry!
Marry – Sim! Temos um património cultural modesto sem luxos, nós cabo-verdianos temos que preservá-lo e transformá-lo num Museu vivo.
Pedro – Vocês, em Cabo Verde, falam outras línguas sem ser o português?
Marry – Sim! Para além do “crioulo” nós passamos a ter as línguas internacionais, não por luxo, nem por privilégio, mas sim por necessidade.

(Pausa. Marry sorri. Pedro e Lúcia ficam pensativos. )

Marry – É Cabo Verde, verde são os trópicos, é uma parte de África.
Pedro – Se a Lúcia me permite… posso tratá-la por “Tu”?
Lúcia – Claro!
Pedro – O que te levou a fazer a viajem do Brasil a Portugal?
Lúcia – Como adivinhou?
Pedro – Intuição.
Lúcia – Vim a um congresso sobre os benefícios da actividade física na terceira idade.
Pedro – É mais um problema social que Portugal tem, com o envelhecimento da população. Li num jornal que está a decorrer em Portugal cursos de agentes de Geriatria para resolver este problema.
Marry – Nem tudo é um problema, é mais uma saída profissional. Deve ter sido interessante.
Lúcia – Sim! Sabes, sou assistente social e professora de educação física no Brasil.
Pedro – Vieste à procura de conhecimentos.
Lúcia – Para aplicar ao meu grupo de jovens que tem entre 50 a 85 anos.
Marry – Deve ser uma tarefa difícil.
Lúcia – A princípio existe algumas barreiras, mas é muito gratificante ver os benefícios.

(De repente, Pedro olha para a Ministra.)

Ministra e Pedro – Olá.
Pedro – Marry e Lúcia, desculpem.

(Pedro retira-se para cumprimentar a Ministra.Marry e Lúcia ficam a observar as fotografias.)

Pedro – Desculpe. Foi a Senhora que chegou há pouco?
Ministra – Sim!
Pedro – Não a reconheci, peço desculpa.
Ministra – Não tem importância.
Pedro – Obrigada Sr.ª Ministra pela sua presença, é uma honra.
Ministra – A honra é minha, tem aqui um trabalho lindíssimo.
Pedro – Muito obrigado! A Sr.ª Ministra está com um ar cansado.
Ministra – Estou em Lisboa a tratar de assuntos relacionados com a educação.
Pedro – O vosso País tem uma taxa elevada de analfabetismo.
Ministra – Sim! Temos uma insuficiente rede escolar, corpo docente e um abandono escolar elevado.
Pedro – A Sr.ª Ministra tem muito trabalho pela frente para alterar os números.
Ministra – Por esse motivo vim a Portugal pedir colaboração.
Pedro – Em que aspecto, Sr.ª Ministra?
Ministra – Na formação de professores, e alguns professores.
Pedro – O analfabetismo a falta de conhecimento e a má formação traz hoje graves problemas sociais a um País.
Ministra – Sim Sr. Pedro, graves problemas.
Pedro – Sr.ª Ministra, não é só na educação que tem graves problemas.
Ministra – Sim! Também temos graves problemas na saúde com falta de infra-estruturas e as que existem estão em mau estado, e temos falta de pessoal técnico.
Pedro – É um País com elevada taxa de pobreza.
Ministra – Sim! A nossa pobreza centra-se na fome. Estima-se que metade da população passe fome.
Pedro – Sr.ª Ministra, o HIV?
Ministra – Pedro , nem me fale nisso. Falta de conhecimento leva a uma elevada taxa de pessoas infectadas.
Pedro – Sr. ª Ministra, faz-me confusão! Um País como Angola rico em recursos naturais e os números são tão elevados…
Ministra – Pedro, tenho algumas dificuldades em falar neste assunto.
Pedro – Claro! É falar na cadeira. A Sr.ª Ministra está a ficar pálida!
Ministra – Como?
Pedro – Nada. Sr.ª Ministra. Estava a convidá-la a sentar-se naquela cadeira, mas está ocupada.
Ministra – Ah sim, queria apresentar ao Sr. Pedro a Embaixatriz.

(Pedro e a Ministra dirigem-se para junto da Embaixatriz. )

Ministra –
Sr. Pedro, a Embaixatriz.
Pedro Prazer Sr.ª Embaixatriz, sou Pedro.
Embaixatriz – Como está, Sr. Pedro?
Pedro – É uma grande honra ter na minha exposição a Sr.ª Embaixatriz.
Embaixatriz – A honra é minha, Sr. Pedro.
Pedro – Posso saber a honra dessa visita?
Embaixatriz – Ouvi falar muito bem da exposição.
Pedro – Muito obrigada Sr.ª Embaixatriz. Desculpe, parece-me que está preocupada.
Embaixatriz – Estou preocupada com o que se está a passar no meu País!
Pedro – Como assim Sr.ª Embaixatriz?
Embaixatriz – Sabe, em Cabo Verde tem havido pouca chuva!
Pedro – É verdade! É um problema que fatiga o povo cabo-verdiano.
Embaixatriz – A escassez de chuva traz seca.
Pedro – É um dos graves problemas da maior parte de África.
Embaixatriz – Sim! A seca provoca a escassez de produtos alimentares e pastos para os animais.
Pedro – As consequências são a fome.
Embaixatriz – Sim! Este problema traz muitos outros…
Pedro – Claro Sr.ª Embaixatriz quer falar dos outros?
Embaixatriz – Já agora, Sr. Pedro. Temos graves problemas na saúde com falta de efectivos e infra-estruturas, abandono escolar e imigração.
Pedro – E a Sr.ª Embaixatriz vê alguma luz no fim do túnel?
Embaixatriz – Sabe, não é fácil, o nosso governo está a tentar ajuda junto de outros Países.
Pedro – A Sr.ª Embaixatriz está com um bom aspecto.
Embaixatriz – Sim, sinto-me bem nesta cadeira.
Pedro – Sabe, Sr.ª Embaixatriz, está sentada na cadeira do poder.
Embaixatriz – Sabe, sinto-me muito bem.
Ministra – Eu também!
Pedro – Se as Damas me permitem, gostava de apresentar a Marry e Lúcia.
Embaixatriz e Ministra - Claro.
Pedro – Marry e Lúcia. (Chamando-as)

(Marry e Lúcia juntam-se aos outros. )

Pedro –
Marry e Lúcia, estas Senhoras são a Ministra e a Embaixatriz.

(Elas cumprimentam-se.)

Marry, Lúcia, Ministra e Embaixatriz – E Portugal?
Pedro – É um jardim à beira mar plantado!
Marry, Lúcia, Ministra e Embaixatriz – Aah…
Pedro – Minhas Senhoras, com tantos problemas sociais, que soluções?
Embaixatriz – Trabalho.
Ministra – União.
Lúcia – Humildade.
Marry – Justiça
Pedro – Muito Amor.

Sem comentários: