sábado, 12 de dezembro de 2009

A VIDA É UMA PERSISTÊNCIA


Nome das personagens:

NELMA: Chiquinha (Agricultora caipira)
CRISTINA: Madalena (Psicóloga)
ISABEL: Josefa (Embaixatriz)
ANA ISABEL: Ana Moura (Fadista)
GRAÇA COELHO: Papoila (Apresentadora)


ACTO I, CENA I


Papoila: Hoje venho aqui partilhar com vocês uma história que une diferentes culturas e faz sobressair os seus encantos e desencantos. Tudo começa no Brasil com o retrato da vida de uma senhora caipira. Um encontro feliz vai dar origem a novos encontros que nos conduzem melódica e poeticamente a uma reflexão sem tempo para acabar. Ditará cultura o nosso destino? Só o fado o dirá!

ACTO II, CENA I


Madalena: Boa tarde, posso entrar para falarmos, eu sou portuguesa e vim fazer um trabalho comunitário aqui no Brasil.

Chiquinha: Boa tarde! Entre e sente-se por favor.

Madalena:
Posso fazer uma pergunta?

Chiquinha: Sim.

Madalena: Já foi à escola?

Chiquinha:
Não! Não sei ler nem escrever, mas sei contar, porque vendo aquilo que planto e crio animais.

Madalena:
Eu sei como posso ajudar. Nós abrimos uma pequena escola aqui perto. Em relação aos transportes não se preocupe, há a possibilidade de vir buscá-la a uma hora a combinar e trazê-la de regresso a casa. Estás interessada?

Chiquinha:
Eu gostava.

Madalena:
Ok, então fica combinado. Tem agora uma oportunidade de iniciar os estudos. Nunca é tarde para fazê-lo! Espero que corra tudo bem. Se entretanto surgir alguma questão estarei ao seu dispor para esclarecê-la e ajudá-la. Adeus, beijinhos. Quero ter notícias suas. Vou deixar o meu endereço e nº de telefone. Espero, quem sabe, encontrá-la um dia em Portugal. Boa sorte!

ACTO III, CENA I


(Em Portugal, enquanto andavam por uma rua da Baixa Lisboeta)

Ana Moura: Amiga, sabes quem está a chegar do Brasil e de Angola?

Papoila:
Quem?

Ana Moura:
A Madalena e a Josefa. Chegam hoje.

ACTO IV, CENA I


(Madalena e Josefa encontram-se no Aeroporto)

Josefa: Olá! Está tudo bem?

Madalena:
Sim, e tu?

Josefa:
Também. Gostei imenso de estar em Angola. Consegui andar para a frente com o nosso projecto. Fiquei entusiasmada. O meu País já não está em guerra mas ainda há muita falta de recursos económicos e muita carência social. As consequências da pobreza e poluição ainda são desastrosas.

Madalena:
Olha Josefa, podemos combinar para irmos à casa do Artista. O que dizes?

Josefa:
Está bem. Depois ligo-te, ok?! Combinamos com as nossas colegas.

ACTO V, CENA I

(Numa casa de fado no Bairro Alto)

Papoila:
Alguns anos mais tarde as amigas juntam-se todas na casa de fado. Conversam de tudo um pouco.

Madalena: Olá amiga, tudo bem? Só consegui chegar agora! Está um trânsito infernal… Olhem, quero apresentar-vos a Chiquinha. Já vos falei muito dela, agora finalmente conhecem-na pessoalmente!

Josefa, Ana Moura, Papoila: Muito prazer Chiquinha! Seja bem-vinda a Portugal.

Chiquinha:
O gosto é todo meu. Vocês Portugueses são muito hospitaleiros. Tenho sido recebida com muito carinho…

Ana Moura:
Sei que vai colaborar na Associação de Apoio a Pessoas Desfavorecidas criada pela Madalena e Josefa.

Chiquinha: Sim, tive o grande privilégio de ser convidada pela Madalena, e claro com o ok da Josefa, a quem também muito agradeço. Ainda me custa a acreditar. A minha vida deu uma volta de 180 graus!

Josefa: Por algum motivo a vida juntou-nos nesta causa. A Chiquinha, pelo que sei, tem uma história de vida riquíssima. É uma mais-valia poder contar com a sua participação na Associação, pois é um exemplo vivo de como é possível dar a volta por cima… Sem esforço nada se consegue!

Madalena: Chiquinha, conta-nos um pouco da realidade que se vive no Brasil… a começar pelas grandes desigualdades entre o pobre e o rico.

Chiquinha: Constatamos que na nossa sociedade existem indivíduos que vivem em absoluta miséria e outros que vivem em mansões rodeados de coisas luxuosas e com a mesa muito farta todos os dias, enquanto outros nem sequer têm o que comer durante o dia.
As desigualdades sociais não são acidentais, e sim produzidas por um conjunto de relações que abrangem as esferas da vida social. Na economia existem relações que levam à exploração do trabalho e à concentração da riqueza nas mãos de poucos. Na política, a população é excluída das decisões governamentais.

Papoila: Bem, nós cá em Portugal já começámos cada vez mais a assistir a essa triste realidade…e digo isto sem querer ser fatalista, mas assusta-me o rumo que as coisas estão a tomar! E tu, Madalena, como está a correr o teu trabalho? A Psicologia da Saúde em Portugal tem pernas para andar?

Madalena: Vocês sabem que na Psicologia da Saúde, em Portugal, na opinião dos profissionais, ainda estamos muito desfasados relativamente aos outros países da Europa. O nosso trabalho nas Instituições de Saúde afasta-se daquilo que é internacionalmente aceite em termos de intervenção da Psicologia da Saúde.
As pessoas recorrem aos serviços em contexto de crises pessoais. Há evidências de que disponibilizar estratégias para evitar o aparecimento de psicopatologias, ou que as mesmas sejam amenizadas ou ainda bem aceites pela comunidade, aumenta o bem-estar subjectivo dos utentes e melhora a qualidade de vida dos mesmos. Quero com isto dizer, que a prevenção é fundamental para criarmos sociedades com saúde mental. Em Portugal é significativo a mortalidade, pois o comportamento em geral é desanimador, influenciado pela própria doença. Dentro desse contexto é muito importante desempenhar a manutenção e prevenção de saúde. Evitaria muitas situações que infelizmente por vezes têm um desfecho dramático.

Ana Moura: Bem, agora com a Associação vão ter oportunidade de darem voz activa à vossa intervenção. O vosso esforço valeu a pena! E tu, Josefa, a tua viagem a Angola ajudou-te no projecto da Associação? O que trazes de novo?

Josefa: Venho dar a conhecer um pouco da realidade do que se vive em Luanda. Apesar da riqueza do meu país em matérias-primas, a maioria da população vive em condições de pobreza. Existem muitas carências na vida quotidiana. A falta de recursos económicos, nomeadamente a carência de rendimento e exclusão social é também um dos grandes flagelos. Não esquecendo a poluição do ambiente, provocando um efeito negativo.
Então e tu fadista? A música ainda preenche a tua vida?

Ana Moura: Minhas amigas! Eu agora ando fascinada com as obras e vida de Fernando Pessoa. Ainda me vou dedicar à escrita... Sabiam que Fernando Pessoa tornou-se o maior poeta de língua Portuguesa? Foi Senhor absoluto da beleza das palavras e das verdades da essência humana. A sua poesia atinge a todos, sem distinção da raça ou classes sociais. A sua mensagem é de identificação universal, tocando de forma indelével a sensibilidade humana.

Papoila: Amigas, gostava de ficar aqui com vocês, mas agora o palco chama-me! Prometo que no final do espectáculo continuamos a nossa conversa. Espero que esta noite de fado seja do vosso agrado! Para mim é sempre um recordar dos bons e velhos tempos… Bem, divirtam-se que agora vai-se cantar o fado.

(Papoila dirige-se para o palco, para assim apresentar a actuação da sua querida amiga Ana Moura)

Papoila: Boa noite a todos! É com muito gosto que estou aqui hoje para dar abertura ao nosso espaço dedicado ao fado. Gostaria primeiro de falar um pouco sobre a origem desta forma de musicalidade que é tão nossa, tão Portuguesa!

O fado canta-se a vida /
Ao Fado canta-se a morte/
O Fado canta-se a partida, a despedida e a nossa sorte...

A palavra fado vem do latim fatum, ou seja,”destino”. Terá surgido provavelmente na primeira metade do século XIX. Parece despontar da imensa popularidade nos séculos XVIII e XIX da modinha e da sua síntese popular com outros géneros afins, como o Lundu, no então rico caldo de culturas presentes em Lisboa, tendo como resultado a extraordinária canção urbana conhecida como “fado”. Começou por ser cantado nas tabernas e nos pátios dos bairros populares, como Alfama, Castelo, Mouraria, Bairro Alto e Madragoa mas logo tomou importância nacional. As tabernas, primordialmente, eram palco de encontros de fidalgos, artistas, trabalhadores das hortas, populares e estrangeiros, que se reuniam em noites de Fado vadio, ou seja, o Fado não profissional. A primeira cantadeira de Fado de que se tem conhecimento foi Maria Severa Onofriana. Cigana e prostituta, de família da estirpe, cantava e tocava guitarra nas ruas da Mouraria.

Papoila: Senhores e Senhoras vão agora ouvir um fado cantado por Ana Moura. De seguida, duas amigas de Ana Moura vão recitar dois poemas. Espero que gostem!

(Ana Moura canta “Estranha forma de Vida, de Amália Rodrigues)

Foi por vontade de deus
Que eu vivo nesta ansiedade
Que todos os ais são meus
Que é toda minha a saudade
Foi por vontade de deus.
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração
Vive de forma perdida
Que lhe daria o cordão
Que estranha forma de vida
Coração independente
Coração que não comando
Vive perdido entre a gente
Teimosamente sangrando
Coração independente
Eu não te acompanho mais.
Para, deixar de bater
Se não sabes onde vais
Eu não te acompanho mais.

Chiquinha: (Recita o poema "Saudades do Brasil em Portugal")

O Sol das minhas lágrimas de amor
Criou o mar.
Que existe entre nós dois para nos unir e
Separar.
Pudesse eu te dizer a dor que dói
Dentro de mim.
Que mói meu coração nesta paixão
Que não tem fim.
Ausência tão cruel saudade tão fatal!
Saudades do Brasil em Portugal!
Meu bem, sempre que ouvires um lamento
Crescer, desolador, nas voz do vento,
Sou eu em solidão pensando em ti, chorando.

Josefa: (recita o poema "Coragem", de Fernando Pessoa para homenagear Ana Moura)
“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço que a minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz, é deixar de ser vítima dos problemas e se torna um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um “não”. É ter segurança para a receber uma crítica, mesmo que injusta. Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…”

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